cristina mão-de-ferro

mãe, arquitecta, viajante e missionária. (tudo em processo de construção, com probabilidade de não concluir nenhuma destas actividades)




miúda inconformada com deformações ao nível da personalidade que não permitem encaixar nas formas-tipo desta vida. apesar de tudo me levar a crer que eu era uma pessoa normal... afinal parece que não. mas está tudo bem. 



pouco disponível aqui:

cristina.mmaodeferro@gmail.com

meu querido jogo da cobra

terminei agora mesmo de responder às centenas de mensagens que tinha no whatsapp por abrir, algumas desde setembro. isto mostra-me como estou a fazer tudo errado na minha vida. ou muitas coisas, vá. esta rede, que devia servir para partilhar coisas rápidas com os meus amigos e família ou mesmo para trocar questões rápidas de trabalho, como fotos de uma obra, combinar uma reunião entre várias pessoas, deixou de ser isso (no meu caso, que vocês devem ser todos pessoas equilibradas e disciplinadas!!) e passou a ser mais uma secretária, um computador, um mundo inteiro aqui dentro. ao ponto, de eu evitar abrir mensagens porque sei que não vou estar em condições de responder e depois elas vão ficando no fundo de uma lista imensa de mensagens diárias que se vão abrindo, dos pais, dos filhos, dos amigos... e sem se perceber como, ficam centenas de mensagens abaixo no ecrã principal!

eu não me venho aqui queixar, até porque a probabilidade de alguém que poderia escolher o email em vez do whatsapp para falar comigo é quase inexistente, mas escrevo porque escrever me ajuda a pensar, a organizar e a mudar aquilo que faço tantas vezes mal. 

quando é que perdi o controla da minha vida, senhores? como é difícil agora dar este passo atrás... tenho tantas saudades de quando o telefone servia para....telefonar :) e quando tudo o que tínhamos para passar momentos de ócio no telemóvel era o jogo da cobra. agora uma pessoa nem tem tempo para jogos, com tanto reel´s e redes sociais para estar atento e gerir. 

acho que é a milésima vez que digo que estou cansada esta semana. mas estou. e agora que limpei o meu whatsapp de todas as mensagens (até começarem a chover as respostas às minhas respostas..), vou começar do zero. estamos sempre a tempo de mudar a nossa vida para melhor, certo?

então, objectivo primeiro. assuntos de trabalho (à excepção de troca rápida de assuntos) serão respondidos pelo email e recebidos pelo email. o meu whatsapp tem que voltar a ser aquele sítio bom onde posso à noite rir um bocado com os meus trocando parvoeiras! não pode ser mais do que isso...

se eu responder por email, as pessoas saberão que esse é o lugar de tratar assuntos de trabalho, certo? (até porque se está no email, mais gente vê e pode ajudar a tratar)

depois acabar com esta necessidade/tendência/culpa/mania/feitio de ter que resolver tudo a todos em tempo record. chega! cristina isabel, não és a madre teresa de calcutá (muito embora vires a acabar como freira seja um caminho possível)! não é possível resolver tudo a toda a gente imediatamente...e se as pessoas soubessem como a minha cabeça já falha tantas vezes...

não se aguenta!.. 

eu preciso mesmo de viver mais devagar. preciso mesmo de não perder o tempo que áfrica me mostrou. o tempo do 'tudo no tempo certo'. preciso de desfrutar dos processos, aceitar com paciência. e preciso de conseguir aceitar que não perco nada nem ninguém por não responder no imediato. 

se perder, paciência. alguém ganhará. incluvisamente, eu. 


23.novembro.2023


sara e a importância de esvaziar


'eu sei' foi a música que mais ouvi, durante dias e noites sem fim na garagem dos meus pais, enquanto fazia e refazia maquetes do meu trabalho de fim de curso. ouvia a musica vezes sem conta, até saber cada pormenor da voz dela e cada detalhe da canção. nessa altura ainda me sentia com energia para noitadas, directas e esforços ilimitados. mas a pessoa está quase a fazer 40 anos e tudo mudou. andava há uns dias para escrever sobre a necessidade de esvaziar. sobre a necessidade de parar, zerar, desocupar, silenciar. acontece comigo, quase sempre nesta altura do ano, uma necessidade de me isolar do mundo, do trabalho e do ruído. sinto-me assoberbada, cheia de coisas e fico incapaz de responder áquilo que me pedem. as urgências dos outros desaparecem e entrego-me ao último reduto da minha solidão. entrego-me sem culpa, por falta de forças. não é por desprezo ou descuidado. é porque não sou capaz de mais. não sou capaz de abrir mais mensagens, de responder aos 274 whatsapp´s, de ler mais emails, de ter mais reuniões ou conversas. sinto-me esgotada e sugada, sem energia, incapaz de dar atenção ao que quer que seja. às vezes tenho medo de não atender esta chamada do meu corpo e da minha cabeça a tempo...na verdade, às vezes acho que já levo longe de mais o ignorar de todos os sinais e campainhas que o meu corpo activa. decidi desde há algum tempo para cá que quando ouço estas campainhas, tenho mesmo que me isolar. que me desculpem. estou cada vez menos preocupada com isso, ainda que não totalmente. ainda tento controlar a culpa uns tempos até ceder de vez, quando percebo que as forças estão a ir-se embora. gostava de parar mais cedo. gostava de deixar de sentir culpa antes. o segredo eu sei qual é: parar mais, menos tempo. Mas a pessoa estica ao limite mais diabólico que consegue este esforço de encher de tudo o que não pode com nada mais. eu sei. com quase 40 anos já quero menos. menos trabalho, menos chatices, menos mensagens sem fim para responder.

a sara tavares morreu hoje. e vem com mais força esta certeza de que não vale a pena. não valem a pena as urgências, não vale a pena querermos mais do que aguentamos, não vale a pena não parar para esvaziar. não vale a pena ficar onde não é o nosso lugar, nem perpetuar desconfortos vários. estou cansada e a sara tavares veio lembrar-me que não preciso de correr até à exaustão, de fazer mais do que o meu corpo aguenta. eu sei, como diz a música da sara, que se eu voar sem saber para onde vou, é só um voo perdido e inútil. é um cansaço sem fim e não vale mesmo a pena. a vida leva-nos no voo mais inesperado. não precisamos de ser nós a esforçarmo-nos para isso.


19.novembro.2023

um olhar sobre o fim do ocidente

sou e gosto demasiado de algumas coisas na vida para me conseguir manter à margem dos acontecimentos que me são contemporâneos.

sou curiosa, gosto de saber os porquês das coisas, gosto de história e de perceber as mudanças macro e micro nas sociedades e nas culturas e gosto muito de conversar sobre estes temas.

ontem, durante uma tarde de trabalho com um colega que nos está a ajudar no atelier, falámos sobre o estado da nação. e não só, sobre o estado da europa, do ocidente e de como se aproxima o fim da civilização ocidental. pelo menos como a conhecemos.

parece exagero assim à primeira vista, mas claramente que estamos a viver o início do fim de uma das civilizações mais desenvolvidas de sempre a que a humanidade assistiu. e isto não é fatalismo. é história. assim como outras civilizações já desapareceram noutras eras da humanidade.

mas porque é que é tão óbvio que isto vai acontecer?

entre mim e o d. a diferença é que ele é racional, categórico e pragmático. eu sou emocional, intuitiva e muito sensitiva.

mas qualquer um de nós, nos seus diferentes sentires e pensares, chegámos às mesmas conclusões.

matemática e demograficamente é inegável o fim da cultura ocidental. se nos sentarmos a fazer contas, analisando dados como taxas de natalidade e mortalidade, índices de envelhecimento, dinâmicas de imigração e outros dados demográficos como educação, nacionalidade, religião e etnias, facilmente percebemos o que está prestes a acontecer em poucas décadas. e por esta razão, as políticas desesperadas nacionalistas contra imigração chegaram tarde e são completamente infrutíferas (e na verdade não sei se podiam algum dia ter sido tomadas...). não há nada, neste momento que inverta a situação que estamos a viver. é o chamado ponto de não retorno. os meus filhos vão ser do mundo e portugal deixará de ser deles. nada pode mudar isto neste momento. a quantidade de filhos que nascem nos países ocidentais é claramente insuficiente para a renovação da população ocidental.

somos vitimas do nosso desenvolvimento, da tecnologia de ponta que levámos até à exaustão e que permite substituir pessoas em quase todas as actividades que desempenhamos. não entendemos a tempo, que encontrar soluções tecnológicas não era a solução mas sim o inicio do verdadeiro problema e do nosso fim.

esta é uma leitura factual e impossível de contestar. está à vista, os números são conhecidos e nenhuma atitude tomada pelos governos ocidentais neste momento encontrará solução para este problema.

esta é a visão, se quisermos, científica do assunto.

mas há outras, mais empíricas. mais intuitivas...

passei muitos fins de tarde em áfrica, sentada numa pedra, enquanto o sol se punha. além do sol, o meu olhar perdia-se pelo horizonte e pelos grupos de crianças que brincavam e aproveitam o resto de luz solar. tenho em mim muitos desses momentos e recorro a eles com muita frequência.

às vezes só chorava enquanto via aquela cena, outras refletia sobre o que estava a ver e em alguns momentos fechava os olhos e conseguia olhar a minha vida de fora.

e foi em muitos desses momentos que também pensei sobre o fim do ocidente que se adivinha. olhar de fora para as crises de valores, para a crise demográfica, para os problemas de saúde que nos engolem. comparar a nossa insatisfação com a das pessoas à minha volta, a nossa tristeza e frustração comparativamente à sua alegria.

olhar para as dezenas de crianças e pensar que o futuro é delas, que o mundo lhes pertence. que áfrica pode ter falta de tudo, mas tem aquilo que garante a sobrevivência da espécie humana. tem pessoas. tem crianças e tem futuro.

áfrica deu-me essa verdadeira dimensão de um problema que ficava mais difícil de analisar por estar dentro dele. por ser, como todos nós, engolida pelo bulício do dia a dia que não nos permite analisar com frieza e distanciamento as situações que estamos a viver.

e isto vai de encontro ao que estamos a passar neste momento. estas guerras à porta e dentro da europa não são mais do que uma guerra entre o ocidente e o oriente. entre culturas, entre crises demográficas e étnicas, entre sociedades desenvolvidas e em desenvolvimento. uma espécie de medir de forças que pode acelerar o nosso fim ou simplesmente adiá-lo mais um tempo. é a guerra entre a tecnologia de ponta e a força humana. o ocidente resiste como pode a esta pressão demográfica mas aquilo que sinto e vejo, é que não há mais nada que possa ser feito. 

Uma nova ordem mundial está prestes a acontecer. Falta saber quem vai ocupar a europa e em quanto tempo. 

10.novembro.2023


18 de outubro de 2019

partimos de lisboa em direcção à grécia. faríamos escala em atenas e decidimos integrar uma daquelas visitas rápidas pela cidade com um guia fantástico super entusiasta que nos explicava tudo com uma paixão que nos fez querer regressar com tempo. prometemos voltar, mas agora a excitação era outra.

o t. e a m. já tinham viajado uma semana antes de nós para irem à palestina sozinhos. o plano era eu, a r., a s. e o p. irmos ter a Telavive para nos juntarmos e seguirmos então viagem por Israel e Jordânia.

há muitos pormenores da organização da viagem que me falham porque o t. organizou e orientou praticamente tudo, mas aquilo que relato aqui foi o que vivemos em conjunto e que é transversal a todos os que partilharam estes dias.

rimos muito nesta viagem, mas houve também grandes momentos de tensão.

o t. tinha-nos avisado que deveríamos reservar bastantes horas para o aeroporto de Telavive porque, ao contrário de todos os aeroportos no mundo inteiro por onde já tínhamos passado, este era especialmente complicado no que às vistorias dizia respeito.

o nosso primeiro contacto com Israel no aeroporto à chegada foi tenso. havia jovens homens e mulheres armados por todo o lado, claramente muitos deles acabados de chegar a maioridade, incapazes de esboçar um sorriso ou mostrarem qualquer empatia. a cara deles era fechada e dura e claramente não estavam disponíveis para qualquer interacção. aquilo deixou-me desconfortável. não me senti bem-vinda a israel.

separaram-nos e o t. já nos tinha dito para termos calma e respondermos a tudo de forma clara e assertiva e não mostrarmos medo. aquilo para mim foi estranho... fizeram milhentas perguntas, confrontaram as nossas respostas. o que estava ali a fazer, com quem estava, de onde conhecia aquelas pessoas, quem era casal e quem estava sozinho, onde é que ía ficar alojada, quem era esse amigo onde íamos dormir, como é que ele se chamava, o que fazia da vida e tantas outras perguntas que nos colocam imediatamente num patamar de desconforto e desconfiança. mesmo que saibamos que não estamos a mentir, vacilar e mostrar dúvidas pode levar-nos a situações complicadas...

depois daquele episódio no aeroporto seguimos para a casa do r., o amigo do t. onde íamos ficar a dormir na primeira noite. o r. é judeu, filho de uma família ultraortodoxa, da qual "fugiu" por não se conseguir identificar com os seus princípios e atitudes. Foi uma noite incrível, aquela à volta de uma mesa no quintal dele, ouvindo histórias surreais das tradições ultraortodoxas...

confesso que não fiz nenhum trabalho de casa e por isso tudo o que ouvia era para mim uma perfeita e triste realidade.

nesse momento, tive uma sensação estranha de descoberta. como uma menina que chega ao sótão que permanecia fechado à chave e que um dia consegue abrir e encontrar vários segredos. percebi naquele momento, que nem tudo o que parece é. (apesar de, tenho que referir, um amigo que estava na palestina dias antes de eu viajar me tinha enviado mensagem a dizer que sentia imenso racismo dos judeus em relação aos palestinianos e que parecia que estava numa espécie de apartheid. lembro-me de ter não ter dado importância ao que ele me disse e achei sempre que não seria tanto assim...). mas foi. senti exactamente o mesmo.

nessa noite, fomos para o quarto e ficámos bastante tempo a conversar sobre tudo o que ouvimos e de como o isolamento e regras que quiserem impor ao r. resultou na sua fuga e afastamento da família.

naquela noite, muita coisa nova entrou na minha cabeça e obrigou-me a arrumar espaço entre o que eu achava que sabia...

dia seguinte iríamos para jerusalém.

o r. é um rapaz incrível, judeu, viajado pelo mundo, apaixonou-se por uma romena. as histórias que contou na noite anterior ecoavam na minha cabeça...ele, como judeu incrível que é, contou-nos o outro lado. assumiu a tristeza perante uma realidade que ele própria condena. não devia ser possível um povo que sofreu tanto, ser agora repetidor da história, mas do outro lado. nunca me passou pela cabeça, que aquilo que um amigo meu que estava na palestina semanas antes de eu ir, me tinha dito sobre o racismo sobre dos judeus sobre os palestianismos e o facto destes viverem numa espécie de apartheid fosse mesmo real...afinal era. e isso foi para mim um choque. muitas das sensações que tive no aeroporto no dia anterior eram agora entendidas, o que não me diminui o desconforto. pelo contrário. só aumentou.

a chegada a jerusalém foi emocionante. estávamos eufóricos e conscientes da sorte por podermos viver aquele lugar, ainda que como viajantes, e perceber um pouco do que são feitos aqueles quatro quarteirões. arménio, cristão, muçulmano e judaico.

naquele lugar, além dos abrigos em caso de ataque, de alguma tensão sentida no ar, das cápsulas para rebentamento de bombas, senti uma alegre convivência. na entrada principal uma jovem menina tocava harpa, os locais entravam e saiam das lojas, os policias armados caminhavam e eu, com todos os meus sentidos tentava não perder um milímetro do que via. em algumas ruas, frente a frente, lojas hiper mega organizadas e limpas dos judeus, muitos deles a lerem a tora sentados à porta e muçulmanos desarrumados e mais descontraídos em conversas banais. de um lado iguarias judaicas, do outro o cheiro a falafel deixava água na boca...em baixo o muro das lamentações onde os judeus vivem a sua religião, em cima a mesquita muçulmana.

junto ao muro das lamentações, que está separado entre homens e mulheres, sendo que só pude estar na parte feminina, fiquei intrigada com o que via. muito meninas jovens, muito jovens, com perucas de cabelo castanho mel, todas iguais, fitas no cabelo, meias brancas opacas e saias até ao joelho, passeavam carrinhos de bebés. mamãs judias muito jovens mesmo, que cumpriam o seu ritual no muro das lamentações. mais tarde percebi. ela usam peruca porque quando se casam o seu cabelo é rapado. como forma de acabar com um dos símbolos mais fortes da sexualidade feminina: o cabelo. assim, as mulheres judias (ultraortodoxas) "deixam" de existir para as outras pessoas e anulam-se como mulheres. judias, não muçulmanas.

em jerusalém percebi uma coisa. apesar da convivência normal entre as várias religiões, há de facto uma certa tensão no ar. mas a mim, o que me pareceu, entre a leveza dos muçulmanos e a rigidez dos judeus é que as pessoas comuns só querem viver a sua vida e a sua religião. posso dizer também, que foi claro para mim que os rostos fechados, desconfiados e geradores de tensão eram quase exclusivamente judeus. e aquela sensação de desconforto que senti, permanecia do lado israelita. não sei se pelos policias altamente armados, se pela sua generalizada antipatia, se pela extrema amabilidade dos outros muçulmanos, cristãos e arménios.

os judeus são de facto pessoas diferentes dos muçulmanos. e isso é visível até nos seus quarteirões. os muçulmanos falam alto, gesticulam muitíssimo, vêm ter connosco e abrem as portas das suas lojas! são chatos mas empáticos e não resistem a perguntar pelo cristiano ronaldo quando percebem que somos portugueses! muitos deles começam imediatamente a dizer obrigado como forma de interagir. são um povo alegre e descontraído.

já os judeus não. reservados, são altamente racionais e fechados. os seus espaços absolutamente arrumados numa antítese perfeita das lojas muçulmanas onde impera a desorganização.

saímos de jerusalém com a certeza de que a coabitação é possível. e que apesar da tensão, muçulmanos e judeus são pessoas comuns com credos diferentes. só isso.

conhecer jerusalém foi entender aquilo que nunca chegaria através de uma televisão ao meu sofá. que estava a ser feita a gestão de uma crise era facilmente perceptível, mas a certeza de que o comum mortal, fosse judeu ou muçulmano, só queria paz e viver a sua vida, também foi claro e que aquela é como sempre uma luta entre poderes, entre radicais, entre governos que não representam a maior parte das pessoas. tanto de um lado como do outro.

mas nunca é isso que nos chega ao sofá. nunca é isso que a comunidade internacional permite que se apresente nos telejornais do chamado mundo civilizado. quando fui a Jerusalém, esse não foi o meu primeiro contacto com muçulmanos. já tinha estado em marrocos e nos emirados árabes unidos. sabia da sua simpatia e generosidade. mas dos judeus...só conhecia o sofrimento, o massacre, a humilhação a que este povo foi submetido. nunca, nos meus piores pensamentos esperei sentir aquilo que senti. nunca achei que ía sentir tanta raiva por judeus. e ainda estava longe o 7 de outubro de 2023...

o próximo destino era a jordânia, mas a ideia sempre foi alugar um shuttle e irmos directos a sul para passar a fronteira perto de eliat. um dos três pontos de passagem de israel para a jordânia. acontece que de sexta-feira ao por-do-sol até sábado ao pôr do sol, a vida simplesmente para. mas quando digo que para...para mesmo. acabam-se os transportes públicos, ninguém trabalha, ninguém conduz, ninguém faz nada. uma das coisas mais intrigantes foi saber que em muitas famílias judias levam isto tão a sério que nem sequer os interruptores de casa acendem... pagando a alguém para lhes fazer esse trabalho. estávamos então com um problema em mãos. não havia táxi, shuttle, carros para alugar. nada. sobrava apenas uma hipótese. apanharmos um voo interno para o sul de Israel, apanhar um autocarro que ía em direcção à fronteira com o egipto, sair em eliat e ir a pé, de mochilas às costas até à fronteira com a jordânia para passarmos no posto de controlo...

foi o que decidimos fazer.

talvez não seja possível agora esmiuçar todas as coisas que aconteceram entre a procura de uma solução e termos decidido fazer aquele voo interno. mas o que fica na memória é a dificuldade de resolver por todas as respostas serem de uma secura e de uma apatia estonteantes. um claro, 'estamos a fod*r-nos para a vossa intenção de ir para a Jordânia..não tivessem tido essa triste ideia'. fizeram de tudo. só não verbalizaram. desta vez, não.

apanhámos o voo e aterrámos em pleno deserto. 

apanhámos um autocarro e combinamos ficar atentos às paragens. aquilo que me lembro da viagem de autocarro é de 6 portugueses em excitação absoluta e todo um povo a lançar-nos olhares de reprovação. não estávamos assim tão perturbadores...mas ríamos e falávamos alto talvez.

quase deixámos passar o sítio onde tínhamos que parar e isso criou também algum atrito com o condutor.

saímos para a estrada e sabíamos que tínhamos cerca de 3 km para percorrer a pé, com toda a nossa tralha às costas. não existe nenhum transporte que nos leve à fronteira. israel não faz questão nenhuma que essa troca aconteça e portanto não fomenta essas ligações. é verdade que existem 3 passagens para a jordânia, mas também é verdade que os israelitas deixam claro que isso não lhes agrada.

depois da caminhada, passámos mais alguns momentos de tensão. no posto de controlo, voltámos a ser questionados sobre o que íamos fazer à jordânia e se fazíamos intenção de voltar a israel. sempre com a mesma falta de simpatia, olhares desconfiados e dureza nas palavras. nunca, em todas as viagens que fiz me senti tão maltratada e humilhada como em israel. isto é um facto. não uma subjectividade. fomos tratados com desprezo. quase sempre.

esta atitude ficou em israel, com os israelitas. porque assim que metemos os pés em terras jordanas, depois de passarmos a terra de ninguém, tudo mudou...

saímos de israel, num clima de tensão absoluto. passámos por terra de ninguém...e entrámos, a medo, no posto de controlo da jordânia! foi da noite para o dia!

senti um alívio que nunca na minha vida vou conseguir explicar por palavras. um peso que saiu de cima, uma porta de uma prisão que se abriu, um perigo iminente que passou, um ar puro para se respirar... não sei. não consigo.

sei que nos enfiámos em dois táxis. eu, a s. e a r. num e os outros três noutro. na viagem, a caminho do sítio onde iríamos pernoitar, íamos no táxi a conversar entre as três, já que o domínio da língua árabe não é o nosso forte. até que, o taxista muçulmano, de sorriso aberto e olhos brilhantes, mexe no rádio do carro e começa a dar música...portuguesa!!! como assim? saberia ele falar português? perguntámos em inglês se ele sabia falar português...respondeu que não! mas que entendia que éramos portuguesas. o seu gesto foi de tanta gentileza, causou em nós tanta surpresa e felicidade que não controlámos as lágrimas! acabadas de sair de um país onde não nos sentimos bem recebidas, para chegar à jordânia e ter um taxista que entendendo que éramos portuguesas, meteu música nossa...foi do mais incrível e emocionante que podia ter acontecido. ficámos de coração cheio e a verdade é que foi impossível, cada vez mais impossível, de não estabelecer comparações entre os dois povos e não lamentar profundamente que a imagem que se passe para a tela internacional seja tão diferente da realidade. que se aceite tão cegamente a legitimidade dos assentamentos israelitas e se condene gratuitamente todo o povo palestiniano e árabe...

chegados ao hotel, fomos acomodando as nossas coisas enquanto o t. foi tratar do nosso carro que iríamos alugar para fazer a famosa estrada do rei da jordânia até amã para depois voltarmos a passar a fronteira para israel agora num ponto a norte.

jordânia foi um sonho. em tudo. a comida, a loja de doces com caves cheias de pasta de tâmara, o carro que alugámos e as estradas que percorremos tantas vezes isolados numa escuridão imensa. o fim de tarde no mar vermelho, sentados a ver o sol pôr-se no egipto. as conversas com os locais, a shisha que fumámos, as ruas que percorremos, sempre com o barulho de fundo daquele gesticular próprio dos árabes. petra e as suas construções. parar no deserto a caminho do acampamento onde íamos jantar e dormir para vermos o imponente pôr do sol. o mar morto e o nosso banho na lama e na nascente de água quente que era deliciosa e que nos foi indicada por um local. o restaurante luxuoso de amã onde comemos tão mas tão bem e onde nos deixaram entrar apesar dos ténis, do aspecto de viajante que já não tem mais roupa lavada e de não termos feito reserva.

a simpatia daquele povo só não foi mais incrível porque já quase todos tínhamos lidado com árabes, pelo que sabíamos o que nos esperava.

houve dois momentos na Jordânia que foram especialmente emocionantes para mim. um deles foi a subida do trilho de wadi mujib. em vários momentos achei que ía morrer. num deles, ofereci aos meus amigos a maior risada de todos os tempos, acontecimento que ainda hoje os faz morrer a rir. pois para mim foi um momento extremamente difícil em que pensei mesmo que ía morrer. depois de ter superado com a ajuda do nosso guia (que me salvou da morte umas 3 vezes naquele percurso), também eu me ri e chorei muito na verdade. não vale a pena explicar aqui porque não haverá de facto palavras para descrever, mas a verdade é que temi pela minha vida. fui salva pelo nosso guia. e jamais me esquecerei disso. da sua força, da sua atitude, da segurança que me deu e permitiu chegar ao fim daquele desafio imenso. hoje, com distanciamento, reconheço que foi uma superação física incrível para mim. chorei muito. de alívio essencialmente. mas também ri imenso, depois de sã e salva!

o outro momento foi no deserto. depois de pararmos a ver o pôr do sol, num silêncio absoluto onde foi impossível segurar as lágrimas, fomos para o acampamento. 6 camas alinhadas numa tenda encostada a uma rocha com mais de 100 m de altura. absolutamente assustador. além do silêncio no deserto, a escuridão também é imensa. só interrompida pelas estrelas brilhantes no céu. e de vez em quando, um ou outro clarão.

o que é aquilo? perguntámos ao nosso guia.

são os bombardeamentos em gaza.

um grito de silêncio cobria o deserto outra vez.

em amã saímos à noite, andámos pelas ruas. sentimos sempre segurança e nunca medo ou repressão! homens e mulheres têm sorriso aberto, as mulheres da jordânia são na sua maioria lindíssimas e só me lembro das bebidas que nos ofereceram num bar por termos decidido escolher aquele sítio!

tudo isto parecia mais exacerbado por virmos de um local no qual não nos sentíamos bem-vindos...

a nossa passagem pela jordânia foi de facto muito feliz e no último dia passámos por mercados de rua incríveis no qual comprámos toneladas de tâmaras! enormes e doces e já só pensávamos em chegar a portugal e cozinhar com elas! ainda antes de deixarmos amã, decidimos gastar todo o dinheiro que tínhamos comendo sobremesas de rua. só precisávamos de dinheiro para pagar o uber e isso estava assegurado.

fomos então ao hotel apanhar as coisas e chamámos dois ubers para nos levarem à fronteira norte com israel. um dos carros chegou e foi com metade do grupo...o outro andou uns metros, parou o carro, pediu desculpa e disse que não nos podia levar à fronteira. não percebemos bem a questão e chamámos um outro. a mesma coisa. chegou e quando lhe explicámos onde íamos, recusou-se a fazer a viagem...

neste entretanto, já o outro uber seguia para a fronteira.

o regresso a israel foi surreal. desde ninguém nos querer levar à fronteira, conseguir por fim e não ter dinheiro para pagar (valeu-nos os trocos que o p. escondeu na meia), andarmos uma parte a pé e outra de autocarro com a tensão e os nervos a subir.

fizemos parte desse percurso num autocarro. não há outra hipótese. atravessámos de novo terra de ninguém e chegámos a terreno israelita.

inicio do inferno de novo. ninguém sai do autocarro sem que o mesmo seja revisto. entra uma jovem militar armada e com um espelho na mão e entra no autocarro colocando o espelho por baixo de todos os bancos e verificando se não existe nada ali escondido...

nós num desespero profundo. parte do grupo já em israel, o shuttle a ameaçar que já não esperava e nós a ver que íamos ficar em terra. caso perdessemos aquele shuttle para voltar a telavive, perderíamos o voo de regresso quase de certeza...

foram momentos de uma tensão absoluta sem que ninguém se mostrasse sensível ao facto de estarmos atrasados (sem que a culpa fosse nossa porque fizemos tudo com imensas horas de margem), mas há uma espécie de altivez no trato, de humilhação inerente que os israelitas gostam de exercer sobre os outros.

corremos muito e conseguimos enfim, voltar a telavive.

telavive é uma cidade caríssima. cospomolita e caríssima. o lugar onde dormimos foi um riso pegado. aquele riso miudinho e nervoso de quem já está por tudo e só quer uma cama para se deitar! mas acabámos a noite em bom, a fumar shisha na praia, a tomar banho nas águas do mediterrâneo, em conversas profundas sobre aqueles dias que passámos entre israel, jerusalém e a jordânia.

lembro-me do sentimento generalizado ser o de incredulidade perante aquilo que tínhamos vivido. como era possível? como era possível termos permanecido tanto tempo na ignorância? como é possível a narrativa ocidental, apoiada de forma categórica pelos estados unidos ser tão defensora de radicais israelitas? como é possível que um povo inteiro pague pelos erros de grupos radicais que nascem também das injustiças em que se vêem envolvidos a par da loucura que não se lhes pode desculpar.

mas que mundo era aquele, onde precisámos de ir para saber que existia?

as tentativas de humilhação que passámos não tinham, no entanto, acabado ali. no voo de regresso e sabendo nós que teríamos que ir com bastante tempo para o aeroporto, voltámos a passar por situações deprimentes. separaram-nos, abriram as nossas malas, deitaram tudo para fora, mexeram nas nossas roupas, espalharam-nas em cima do tapete e no fim, mandaram-nos arrumar. a mim, ainda foram indecentes ao ponto de me abrir a carteira dos documentos e dinheiro, virarem ao contrário e fizeram-me andar a apanhar as moedas, uma a uma. isto aconteceu. não vi em nenhum filme.

além disso, voltaram a interrogar-nos em separado para confrontarem as nossas respostas. a mim, perguntaram-me se já tinha estado em mais algum pais árabe. com quem. qual o nome dessas pessoas. se estavam naquela viagem comigo. perguntaram-me ainda como se chamavam os meus avós. qual a nacionalidade deles. o que faziam profissionalmente. de que raça eram.

mas, o pior de tudo nem foram os interrogatórios, os olhares sinistros entre eles ou um dos policias ter falado português para nos para nos avisar que percebiam o que estávamos a dizer...foi terem ficado com os kilos de tâmaras que comprámos em amã e que fomos obrigados a deixar com eles...

voltei triste para portugal. tinha estado na alemanha no ano anterior e tinha visitado um museu incrível em memória dos judeus mortos no holocausto.

vim confusa de israel. não estava à espera do que vivi. não estava à espera de sentir tanta altivez, desconfiança. nunca pensei sentir-me assim, tratada com desprezo e indiferença.

o meu sentir e, como depois vim a perceber o da maioria das pessoas que fez esta viagem, é de uma profunda mágoa pela mentira construída à volta deste conflito. é uma sensação de impotência absoluta sobre como agir e como dizer ao mundo que as coisas não são o que parecem e que não há outra forma de conhecer a realidade que não seja mergulhar nela.

fiz toda a viagem segura de que teria que ler aquilo que não li antes da viagem, pesquisar, procurar e tentar saber mais. conhecendo-me sei que fico obcecada em querer depois entender tudo.

quando cheguei a lisboa fui para sete rios apanhar o autocarro para portalegre e lá existe uma feira do livro sempre montada. perguntei se tinham livros sobre Israel e trouxe dois. um deles, o senhor vendeu-me quase em tom de secretismo absoluto. ainda estava na caixa que tinha trazido de uma casa onde foi apanhar velharias, tinha a capa rasgada e disse-me que se eu não me importasse ele colocava um elástico e vendia-mo. aceitei. o livro chama-se HAGANAH e é 'um documento inédito sobre o exército secreto de israel'. uma surpresa para mim que nada percebia afinal sobre o radicalismo violento e assassino de israel.

Além dos livros consumi tudo o que estava disponível sobre leis e regras judaicas na netflix e foi arrepiante ver a série 'unorthodox' e reconhecer tudo o que me tinham dado a conhecer em Israel...

não há verdades absolutas e este é apenas o relato do meu sentir. mas a verdade é que se estar nos lugares não nos dá legitimidade para falar...que dizer de quem apenas vê o mundo pelos olhos de quem mostra o que quer mostrar?


02.novembro.2023


1 ano de áfrica

tem sido um ano avassalador.

 há precisamente um ano atrás, embarcava naquela que seria a maior aventura da minha vida! (comparo-a várias vezes à aventura da maternidade...pelo que podem perceber o impacto...). há um ano atrás fui, cheia de coragem e alegria, mergulhar no desconhecido, à procura de mim e do meu lugar no mundo. dito assim, parece que andaria perdida. nada mais longe da verdade. a questão é que esta experiência mudaria completamente a minha visão sobre o mundo e eu, sem saber, sabendo, não estava minimamente preparada para isso. mas queria isso. queria por-me à prova, queria sair da zona de conforto, queria sentir-me desconfortável, aprender coisas novas, conhecer pessoas diferentes, vidas diferentes...talvez até para ter a certeza do meu caminho e das minhas opções. 

se há um ano atrás parecia loucura, hoje tenho a certeza que foi mesmo. e foi loucura, não porque tenha sido difícil estar lá, viver com condições de sobrevivência muitas vezes longe das condições de vida que conhecia, mas porque o regresso à vida de sempre foi muito mais difícil do que alguma vez esperei. e foi porque é muito difícil encontrar o equilíbrio entre o que se viu e viveu e aquilo que é a nossa vida. foi difícil porque me senti esmagada, rasgada, dividida. durante muito tempo não consegui estar inteira no mesmo lugar. precisei de ajuda. tive essa ajuda, essencialmente nos meus amigos e na minha psicóloga. e tudo foi encontrando dentro de mim um novo lugar.

áfrica mete-nos à prova. testa os nossos limites. e eu todos os dias, desde há um ano para cá me pergunto: que magia tem aquela terra, para eu querer voltar a toda a hora, mesmo sabendo de toda a miséria, dificuldades e constrangimentos? em que pessoa me transformei eu, que largaria tudo para viver como uma eremita no cimo daquela montanha rodeada de alegria, sorrisos, cores e cheiros, mesmo reconhecendo que amo a minha vida tal como é? que magia tem áfrica que nos faz meter em causa a vida boa que temos? 

será que temos?

áfrica deu-me leveza. mas também intolerância. intolerância aos pequenos problemas do mundo "desenvolvido", intolerância aos dramas consumistas, intolerância à superioridade moral. áfrica deu-me a possibilidade de me encolher na grandeza desta experiência. de me tornar ainda mais ínfima e insignificante para o mundo, na mesma proporção em que me tornou gigante em cada um dos momentos onde pude fazer a diferença na vida de alguém. 

essa dualidade, essa dicotomia fez de mim alguém diferente. eventualmente melhor. eventualmente mais capaz e preparado para os embates na vida. 

depois de áfrica perde-se o medo de morrer. de ficar doente. de perder uma casa, um tecto. haverá sempre, uma cobertura feita de capim para me abrigar. haverá sempre um lugar no mundo, onde apesar dos "nadas" se pode ser tudo. tudo o que é preciso para ser feliz. 

a vida lá não está certa. mas aqui também não. é preciso querer compreender, querer conhecer e aceitar. querer sair da nossa concha e ver além do nosso horizonte.

áfrica foi a experiência mais avassaladora da minha vida e hoje, precisamente um ano depois, a minha vida é incomparavelmente melhor. mais cheia de sorrisos, de pessoas genuínas, de experiências únicas. mais cheia de colo e amor para dar e receber, de compreensão da diferença. 

e é por isso, por ter a certeza que esta experiência fez de mim uma pessoa melhor e mais consciente, que brevemente voltarei e desta vez, não vou sozinha. levo aquela que será a melhor companheira de viagem e cujo impacto da viagem estou ansiosa por perceber! 

18.maio.2023

beijos desta africana de alma e coração

 

liderar é um acto de amor

quando se entra numa universidade para estudar, a não ser que se escolha algum curso relacionado com gestão, estamos longe de ter preocupações com a liderança ou gestão de uma empresa. e é pena. porque muitas vezes, essa falta de conhecimentos básicos, inviabiliza o sucesso das empresas e torna impossível um crescimento sustentado e contínuo. 

quando entrei na universidade, a minha única preocupação era capacitar-me para pensar o espaço, ver construir aquilo que idealizava, reinventar o espaço construído e poder realizar os actos próprios da profissão de arquitecta. nunca tive qualquer preocupação com a gestão da minha profissão ou de como deveria construir um negócio.

assim como a maior parte das pessoas, sofri e errei muito e o meu caminho fez-se de muito sangue, suor e lágrimas. mas fez-se também de exemplos. e quando me perguntam onde aprendi sobre as questões da liderança, que formação fiz, onde li... raramente consigo encontrar respostas. mas hoje, ao pensar numa pessoa muito especial que faz anos, percebi que a minha forma de liderar tem afinal duas inspirações muito concretas. 

num período muito difícil da minha vida, salvaram-me duas empresas onde trabalhei. uma, porque me permitia meter pão na mesa, a outra porque me fez voltar à minha área de formação depois de um período de crise e instabilidade que me fez afastar da arquitectura e fazer outras coisas. em ambas as empresas aprendi muito, conheci muitas pessoas, aumentei a minha rede de contactos. esforcei-me para dar o meu melhor, mesmo que tenha sido muitas vezes difícil. e se foi!

numa das empresas, um muito bem posicionado hipermercado de Portalegre tinha a Elsa Aragonês como chefe de caixas, quando eu tentava ser uma operadora de caixa dedicada e responsável. na outra empresa, uma também muito importante imobiliária internacional, onde tinha a Carla Nunes como chefe, tentava aproximar-me da minha paixão por casas.

às duas, ainda hoje chamo "chefinhas". e percebi hoje também, que tudo aquilo que sei sobre liderança aprendi com elas. foi com elas que aprendi que ser líder é dar o exemplo, é saber reconhecer a potencialidade de cada um, é saber comunicar e adaptar essa comunicação, é mostrar como se pode ser feliz no trabalho e como aquele lugar deve ser para todos um espaço de crescimento, de alegria e motivação. foi com elas que percebi como é importante termos orgulho nos nossos líderes, admirá-los e que isso só se consegue sendo transparente, humilde, dedicado e exemplar. 

ambas me mostraram que há momentos em que temos que ser mais assertivos, outros mais maleáveis, que devemos aliar de forma exímia o coração à razão para encontrar o equilíbrio que nos mantenha no caminho certo. que não se chama a atenção à frente dos colegas, mas que é preciso valorização e reconhecimento para as pessoas se sentirem parte daquele projecto que sonhámos. 

com ambas chorei, ri, fui chamada à atenção, reconhecida. pude desabafar sobre a minha vida. pude sonhar, dizer que estava ali só de passagem e que queria crescer. e sempre fui incentivada a dar o melhor de mim e a lutar pelos meus sonhos. 

a carla e a elsa são muito especiais para mim. e hoje, que tenho noção da líder que sou e quero continuar a ser, sei que foram elas quem me ensinou que liderar é um profundo acto de amor. 


27.abril.2023

beijos desta aspirante a líder

viagens de filhos únicos

fez por estes dias, 5 anos que fiz a minha primeira viagem de filho único. era super romântico e faria de mim uma mãe espectacular se eu dissesse que esta viagem fora feita com a intenção de passar tempo de qualidade com a minha rica filha para estreitarmos os laços, aumentarmos a cumplicidade e passarmos tempo juntas e sozinhas...

nada mais longe da verdade. a primeira viagem de filho único teve duas grandes razões: só a mi queria andar de avião e o dinheiro só dava para levar um de cada vez! :)  

portanto, eu não sou uma mãe assim tão espectacular! ;)

rumámos então as duas aos açores. tinha a mi 5 maravilhosos anos. ficámos em casa da vanda, uma amiga dos tempos da universidade, na ilha terceira e andámos quase sempre na sua companhia. percorremos a ilha inteira, explorámos o centro de angra, fomos fazer o passeio de barco e chegámos a ver o dorso de uma baleia. fiquei com muito medo de estar em alto-mar e tive medo de morrer ali, sem terra à vista, com a minha pequena filha. 

visitámos a biblioteca da arquitecta inês lobo, assistimos aos teatros do carnaval da terceira, comemos cracas, disfrutámos das vistas, entrámos nas profundezas do algar do carvão e passámos bons momentos da praia dos biscoitos. 

fui com a inês, porque só podia levar um deles e ela, corajosa e destemida como a sua mãe, quis ser a primeira a andar de avião. 

podia dizer que foi uma viagem como outra qualquer. mas não foi. 

foi a viagem que me permitiu passar tempo de qualidade com a minha filha, que nos permitiu reforçar o laço de mãe e filha, aumentarmos a nossa cumplicidade e passarmos muito tempo juntas! e assim, através de uma limitação, descobri a magia de viajar com um filho de cada vez. 

fomos mais uma da outra naquela viagem, sabem? fomos mais próximas, mas amigas, mais compreensivas. a mi, andou muito a pé, aceitou todos os meus desafios, nunca estava cansada, nunca reclamou de nada, nunca me fez sentir que tinha sido um erro levá-la a viajar. pelo contrário, fez-me querer repetir com os irmãos* aquela experiência e tornar tradição a viagem do filho único! 

depois disso, o zé ganhou coragem para ir de avião e neste momento já está em vantagem nas viagens de filho único! 

gosto muito daqueles momentos a dois. quando saímos da bolha da vida, fazemos uma pausa na correria do dia a dia e nos permitimos viver mais devagar, saborear cada momento e termos tempo de verdade para estarmos, ouvirmos e nos abrirmos com os nossos pequenos...

está na altura de repetir :)


* tenho que escrever sobre os irmãos da mi...um dia destes! :) e sobre a viagem de filho único com o zé a itália...


28.janeiro.2023

beijos desta mãe que descobriu nos filhos a melhor companhia para viajar 

o enorme privilégio de se ser arquitecta

eu acho que escolhi ser arquitecta porque sempre fui fascinada por casas. principalmente casas abandonadas. perto da casa dos meus pais havia um terreno com uma casa abandonada que servia só para os animais. a minha mãe contava-me que o meu avô às vezes guardava ali os animais. eu lembro-me de ir andar de bicicleta e parar a olhar para ela. a imaginar o que teria sido e o que eu faria para ela voltar a ter vida...

esta obsessão foi crescendo e as casas abandonadas sempre povoaram a minha imaginação. mas havia um problema.. eu ouvia os meus pais dizerem que os arquitectos 'levavam' caro...e eu, que na altura nem sequer tinha ideia do que era caro, lembro-me de ter pensado..se pagar a um arquitecto vai ser impedimento para mim para arranjar casas..então é arquitecta que tenho que ser! ao ponto de, durante muitos anos, ter achado que só iria estudar arquitectura para poder fazer os projectos para as minhas casas! (parecia eu que herdaria assim dezenas delas! ...felizmente não herdei nada até agora!)..

acho até, que no primeiro dia da universidade, quando o professor Jorge perguntou a cada um de nós porque é que estávamos ali, tenho quase a certeza que foi isso que respondi..'vim para arquitectura, porque quero ser eu a fazer o projecto da minha casa'.

não sei o que passará pela cabeça de um professor universitário quando ouve uma aluna dizer isto. não deve ser bom...

estudar arquitectura é uma odisseia. e hoje tenho a certeza que quando terminamos o curso, sabemos muito pouco do que é arquitectura, do que é fazer projecto, instruir um processo, acompanhar uma obra, saber legislação...e na verdade o ensino superior não serve para isso. serve para fazer pensar, para ajudar a estruturar o pensamento, para crescermos e começarmos a definir um caminho. no ensino superior trabalham-se conceitos, história... estudam-se as origens, os vários momentos da história da arquitectura para sabermos depois melhor construir o futuro. mas arquitectura não se aprende na universidade. aprende-se com a vida. 

15 anos depois de ter começado a trabalhar, começo finalmente a achar que percebo alguma coisa do que ando aqui a fazer e este fim de semana, depois de ter ido visitar um terreno com uns clientes, ficou claro para mim uma coisa que eu já sentia mas que nunca tinha estruturado em termos de pensamento. 

ser arquitecta é mesmo um enorme privilégio. e uma enorme responsabilidade. se não vejamos: os clientes vêm ter comigo quase na maioria das vezes por recomendação. algum amigo/a que já trabalhou connosco, algum profissional da área com quem costumamos trabalhar...logo aí é uma imensa responsabilidade conseguirmos estar à altura das expectativas de quem nos recomendou e de quem aceitou essa recomendação. depois, nas várias reuniões, os clientes abrem-se comigo..eu faço muitas perguntas, envolvo-me, quero saber tudo.. e eles aceitam que eu entre na sua intimidade...contam-me a vida, as rotinas, os hábitos....como são os seus dias, como vivem as casas, os espaços exteriores, a relação com os filhos, a família...de repente eu estou a saber de coisas que normalmente só partilham com a família e amigos mais próximos. se isto não é de uma imensa responsabilidade, não sei...

depois contam-me o seu sonho, o seu projecto de vida, aquilo que estão a imaginar. e eu, que me envolvo sempre muito, tenho que conseguir entrar no sonho deles, ajudá-los a concretizar e muitas vezes, tendo que alterar a forma como estão a pensar nas coisas, conseguir que nunca desanimem, que continuem animados e dedicados e presentes na concretização do seu objectivo...

fazer parte de um projecto de vida é um enorme privilégio, porque de repente temos que nos tornar de casa. temos que saber estar nos momentos de alegria e euforia quando encontramos uma solução, temos que saber estar num momento de discussão e desentendimento, quando surgem visões e ideias diferentes, e tentar até ser a balança que equilibra o momento, temos que saber ser a esperança de que tudo vai correr bem e acabar melhor, mesmo tendo que apresentar os próprios obstáculos e dificuldades do caminho.

ontem, enquanto voltava para casa vinha a pensar o quanto amo mesmo aquilo que faço, o quão privilegiada sou por ter clientes que me abrem a porta da sua vida, me deixam entrar e de repente sou mais um membro da família a sonhar em conjunto e a ajudá-los a definir um plano e a cumpri-lo. 

percebem? a imensa responsabilidade e privilégio? 

amo muito ser arquitecta. desenhadora de sonhos de pessoas boas. 

08.janeiro.2023



'tu sonhas de noite e fazes de dia, gaiata de má raça!'

estas são palavras da minha mãe.  e muito embora as mães não estejam sempre certas :) ..a verdade é que as grandes verdades sobre nós também são as mães que dizem.

a minha impaciência, urgência em fazer, o não conseguir parar enquanto não realizo aquilo que penso, levam a minha mãe a dizer que sou uma gaiata de má raça, que sonha de noite e faz de dia. e é bem verdade. nem dá tempo para respirar, para as pessoas se adaptarem, para se ambientarem às ideias e mudanças que imprimo na minha vida. reconheço que é cansativo. até para mim. 

a noite não é sempre literal. às vezes não é assim tão rápido. às vezes demora dias, semanas, meses e anos. às vezes a noite é só a palavra para definir 'período da minha vida onde uma nuvem bem densa e cinzenta povoa a minha cabeça'. onde os pensamentos se enleiam, onde não há clareza, nem caminho, nem solução. 

às vezes a noite é mesmo um período mais negro, onde estou confusa, onde não consigo ver nada, por mais que abra os olhos...

mas estes períodos, que vão mudando em tempo e intensidade, terminam. geralmente de forma abrupta. como se uma trovoada mental e uma tempestade tropical caísse sobre mim e depois disso....faz-se luz!

o sol aparece, o caminho torna-se claro, as angústias desvanecem-se e passo a ver tudo, até de olhos fechados.

a minha mãe diz, e bem, que eu sonho de noite e faço de dia. e é mesmo assim. e vai ser mesmo assim. 

que nunca me falte a noite. desde que sempre acabe por chegar o dia. 


26.dezembro.2022

beijos desta gaiata que sonha sempre com o coração

avó

era doce como o chá de erva doce que fazia. os seus olhos tinham cor de mar. tocar-lhe nas mãos era agarrar num pedaço de gelo. ainda tenho entranhado em mim o cheiro a lume do seu cabelo. cabelo branco-amarelado que o fumo impregnava. a nossa música será sempre a rosa branca. que eu cantava para ela, enquanto bailava e batia palmas. voltava a ser pequenina quando eu chegava com as compras. 'o que trazes aí, filha?', enquanto espreitava o saco de em cima da mesa. 'ai gelatina! tanta vontade que tinha de gelatina! trouxeste morangos? mas filha, isto não é muito caro? e arroz..massa..! não era preciso!! fazia-me falta mas nós aguentamos sem comer! ahh..mas o leite fizeste bem em trazer..para a avó fazer pudim do velho no domingo!'...e assim continuava tirando uma a uma todas as coisas que lhe comprava. 'e agora? a avó não tem dinheiro para te dar'...'avó, é a tua prenda de anos!'. e ela agradecia e abraçava-me e beijava-me e pegava nas minhas mãos. 'tens sempre as mãos tão quentinhas', dizia ela. e tinha. e tenho. as mãos sempre quentinhas. quentes como o leite com chocolate e bolachas maria mergulhadas. quentes como os fritos quase crus, quentes como a água no lume, a sopa de grão com massa ou o saco de água quente. quentes como o cobertor do sofá, a braseira por baixo da mesa, a boleima batida ou o café para o bolo de bolachas. quentes como o nosso amor. 

era feita de pressa. sempre a correr, sempre a caiar, sempre a lavar. corre para aqui, corre para acolá. levantava-se num pulo, lavava os dentes com limão, a cara. despia a camisa de noite e enfiava a bata em dias de calor. e enfiava a bata em dias de frio. com calças e blusas por baixo. mais um lenço ao pescoço, mais um casaco de malha, mais umas meias quentes. e lá ía ela. estende uma roupa, esfrega outra tanta para corar ao sol, corre para casa, mete a sopa ao lume. já descascou as batatas e as cenouras enquanto a roupa lavava. já migou o feijão verde. é só enfiar na panela. 'avó, o que é o almoço?' 'sopa e faço-te um ovinho' 'com batatas fritas?' 'queres batatas fritas? ai minha batateira... só queres comer batatas fritas...'. e começava a descascar as batatas e começava a fritar as batatas. 'sai daqui..não comas as batatas! depois não tens para o ovo.' e lá continuava ela a descacar batatas. e eu a comer. comia a correr, lavava a loiça a correr e a correr continuava em todas as horas do dia. 

a minha avó não sabia ler. mas sabia de cor todas as letras do alfabeto do amor. tinha um caderno onde estavam os nossos números de telefone e à frente de cada um, um desenho para ela identificar as pessoas. às vezes, quando eu estava a estudar em évora, ligava-me. 'então filha?' 'olá avó, estás bem? precisas de alguma coisa?''não filha, era só para ouvir a tua voz'...

a minha avó não morreu ainda. não vai morrer nunca, porque ficou tudo dela em mim. ficaram os olhos azuis e o sorriso doce. ficaram as mãos sempre geladas entrelaçadas nas minhas. ficou a meiguice das palavras de quem aceita tudo desde que seja bom. ficaram os seus abraços demorados e os seus telefonemas. ficaram os seus beijos e a sua mão na minha cabeça. ficaram as paredes caiadas de branco e a roupa a corar ao sol. ficaram as receitas. nos cadernos, na memória e no coração. ficaram os bolos, as torradas e o chá de erva doce com casca de limão e laranja. ficou a sua felicidade de menina quando eu chegava com o saco das compras e lá dentro vinha muito mais do que pedia. ficaram as suas palavras sempre certas. ficaram todas as doces memórias bem gravadas no coração, na memória, na pele. ficou mesmo TUDO da avó.


03.dezembro.2022

beijos da neta, que tem tantas, mas tantas saudades dos domingos na sua avó .



quem és tu, miúda?

inconformada, inquieta, sonhadora. às vezes impulsiva demais. demasiado emocional com uma memória altamente selectiva. lembro-me, com detalhe, de coisas que aconteceram em 1865, mas depois esqueço-me de coisas básicas, geralmente recentes e que deviam estar frescas (não será isto um sinal de alzheimer precoce?), como uma reunião ou ir a algum sítio ou passar algum recado importante e que me foi dado há duas horas! ... (a sério que a minha memória recente tem problemas graves...)

mudo demasiadas vezes de opinião, sou zero fundamentalista, apesar de às vezes parecer, porque defendo aquilo que acredito com unhas e dentes, no momento. não suporto ver ninguém a passar mal, mas confesso que sou intolerante à vitimização. prefiro ajudar quem nunca me pede nada e fico sem vontade de dar coisas quando acham que tenho essa obrigação (inês, zé..estão aí? )...

sou uma filha assim-assim, faço pouca companhia aos meus pais, apareço e ligo pouco. mas gosto de lhes resolver os problemas, à excepção do irs. já lhes expliquei que não sei fazer irs, embora eles achem que todos os filhos do mundo fazem isso aos pais...não sou assim a filha mais presente mas eles sabem que sou a filha mais linda e que está aqui perto, não à distância de uma chamada porque o meu telemóvel não tem som.. :) mas sabem onde me encontrar quando precisam!...

já que falo sobre isso...sim, eu não tenho som no telemóvel. odeio falar ao telefone, não gosto que me telefonem, porque nunca usam os 2/3 minutos necessários para resolver o problema. estendem as conversas por meias horas que geralmente não tenho, sendo que, a culpa é muitas das vezes minha porque não me calo e falo demais e dou conversa....e portanto, prefiro mensagens..embora também não tenha notificações activas e portanto nem sempre vejo as mensagens também! :) sim, é dificil eu sei. mas aceitem só. se eu pudesse escolher, viveria num mundo sem telemóveis. aliás, acho que foi uma das coisas que mais me fez amar estar em áfrica. o poder existir sem estar comunicável com o resto do mundo. ter uma experiência destas em pleno processo de globalização é de um impacto gigante na relação com o momento. quero isso para a minha vida outra vez: viver com telefone fixo apenas, onde as chamadas sejam limitadas ao essencial. 

gosto demasiado da solidão, de estar comigo, de ficar no sofá alternando entre sestas, livros e netflix e confundo-me a mim mesma, quando sou super disciplinada para umas coisas e nada para outras. por exemplo, sou super empenhada e disciplinada quando tenho que estudar um assunto ou fazer um projecto, quando decido que vou tirar uma determinada nota, ou ganhar um determinado trabalho..mas depois não consigo ser determinada em fazer exercício físico! (nem caminhadas, nem ginásio, nem aulas, nem nada!)...ou quando sou incapaz de seguir uma alimentação dita mais saudável, quando prefiro não fazer comida só para não sujar o fogão (quem nunca?!)

como mãe acho que sou a melhor. possível! :) sou descontraída..muitas vezes quero zangar-me mas depois vêm-me demasiadas vezes à memória eu com a idade deles e perco a força... digo-lhes as mesmas coisas que os meus pais me diziam (simmm, é mesmo verdade essa treta que nos transformamos no que as nossas pais eram..). aviso vezes sem conta que o que fizerem de bem é para eles e o mal também. já lhes expliquei que não quero ser avó presente (desculpem, netos), porque quando eles forem à vida deles, eu vou à minha, para longe daqui, viver no meio da montanha sem telefone. eu sei que é triste, porque eu amei crescer com os meus avós...mas é o que é. (não me surpreenderia se a vida me trocasse as voltas e eu tivesse que morder a língua e ir buscar os netos e levar e fazer comer e lavar a roupa e essas coisas que os avós dedicados fazem.., mas se depender de mim, não será nada assim!).

gosto de fazer o bem, de pensar com o coração. sinto que não sou má pessoa, nem tenho mau fundo e fico muito incomodada com pessoas que acham que me podem meter nos circos deles a fazer de palhaça. costumo ser rápida a perceber que me estão a querer incluir nesses esquemas e sou ainda mais rápida a arrumar a minha tenda e sair fora. isso tem-me saído caro por vezes, mas tem a vantagem da pessoa nunca perder o norte. e dormir sempre com a cabecinha na almofada descansada. 

sou leve, solta e não me apanham para aí assim em fretes e coisas que não quero fazer. sou de urgências, impulsividades e tudo para ontem, mas aproveito para informar que quase chegada aos 40, ando a trabalhar a paciência. a treinar a calma e a controlar os ímpetos. a minha mãe diz sempre que eu sonho de noite e faço de dia. assim é! 

tenho muita urgência em viver tudo, em aproveitar os momentos, em ser feliz. não consigo estar num lugar onde não esteja em paz e quando me sinto desconfortável, procura a mudança. gosto de recomeçar do zero, não tenho medo de nada, nem de morrer. só tenho medo de perder o interesse pela vida. 

gosto de música clássica, mas também gosto de kizomba. gosto de sair para dançar, tanto quanto gosto de ficar em casa. gosto de água. só gosto de beber água e gosto de ir à praia no inverno. no verão prefiro piscina. gosto de rir muito com os meus amigos, de chorar de tanto rir, gosto de conversar, de ouvir, de abraçar. gosto de escrever e de ler poesia. gosto de cantar, mesmo que não saiba cantar.

às vezes sinto-me cansada do mundo. das pessoas, da velocidade, dos acontecimentos. das obrigações. às vezes sofro por sentir-me deslocada. sinto-me sufocada, exasperada. e às vezes, vezes demais, apetece-me largar tudo e recomeçar outra vez. e está tudo bem. já me aceitei assim. 

sinto-me uma miúda. apesar da idade, das rugas na testa, dos 5 cabelos brancos, das deformações do corpo, das dores, do cansaço. sinto-me uma miúda porque me mantenho curiosa e com fé que todos os dias mudo um pouquinho o mundo. pelo menos o meu. 


20.novembro.2022

beijos da miúda.


e depois da turquia?

quem me conhece sabe bem o quanto eu amo viajar. na verdade comecei tarde, mas a minha sede de conhecer o mundo parecia inabalável. cheguei a fazer cinco viagens por ano, reservava todas as minhas economias para as viagens. não tenho outros vícios, não fumo, não bebo, trabalho que nem uma doida e a minha roupa resume-se a cerca de uma dúzia de peças, algumas com alguns anos...portanto, conseguia essa proeza de economizar bastante para viajar. assim foi durante os últimos seis anos. 

nada me fazia mais feliz que fazer as malas, meter-me num avião ou num comboio, percorrer as cidades a pé, sentir os cheiros, ver as pessoas, a dinâmica de cada lugar, fotografar as cores, a arquitectura, a arte, as ruas...conhecer outras culturas, conhecer formas de estar e pensar...tudo isso me tornou mais tolerante à diferença, mais aberta para o mundo, mais criativa...

acontece que a ultima viagem que fiz, foi à turquia em outubro deste ano e sinto que alguma coisa mudou. istambul é incrível,  as pessoas de uma simpatia e gentileza indescritíveis. a capadócia vale muito a pena, não pelo passeio de balão que não cheguei a fazer por causa das condições atmosféricas, mas acima de tudo pela paisagem ímpar, pelos vales de uma beleza indescritível! antália foi a verdadeira surpresa e um fim de viagem verdadeiramente hilariante que nem fotos nem descrições jamais conseguirão fazer justiça...

mas alguma coisa mudou em mim.

tive várias vezes durante a viagem a sensação de que devia estar noutro lado, que é inútil passar por culturas de uma forma superficial, não podendo dizer mais do que "estive lá", deixando uma sensação de inutilidade. um dia, à noite já no quarto, a Rita perguntou se eu estava a gostar da viagem...fiquei a pensar na minha resposta. estava. mas faltava-me alguma coisa...estava a sentir que nada me surpreendia verdadeiramente, nada me tocava verdadeiramente e nada era suficientemente incrível que me fizesse, como noutras viagens, suster a respiração, chorar de emoção ou sentir-me verdadeiramente feliz...

depois de ter reflectido, percebi a razão. foi áfrica que me mudou. foi a missão que me mudou. 

viver com uma comunidade é diferente de visitar uma comunidade ou sequer viajar. viver na missão, entregar-me como fiz, dar tudo de mim e receber tudo de quem está ávido de presença humana, de apoio, de ajuda...fez-me mergulhar naquela realidade de uma forma intensa e total. e agora, tudo o que faça que seja menos que isso, parece pouco. 

eu sei que é incrível dizer isto mas...perdi a vontade de viajar. a não ser para lá. porque sei que lá, alguém me espera, alguém me recebe, alguém conta comigo para fazer a diferença na sua vida. 

e isto pode passar. talvez passe um dia e eu volte a querer viajar pelo mundo. mas neste momento, só penso em ir para onde me senti verdadeiramente a conhecer uma cultura, onde mergulhei de facto nas águas profundas de cada uma daquelas pessoas a quem conheci o nome, o olhar, o sorriso, a resignação, a tristeza, a força e a coragem.

tudo o resto, é só uma espécie de toque leve que nem a camada de pó consegue levantar.


16.novembro.2022

beijos duma aspirante a missionária.


1 ano de missão

não é hoje o dia, mas mais precisamente 17 de outubro. 

aliás, 17 de outubro é, definitivamente, um dia muito importante em toda a minha vida. foi neste dia, em anos diferentes que me apaixonei perdidamente por alguma "coisa".

faz então por estes dias 1 ano que tive o primeiro contacto formal com o grupo missionário ondjoyetu. este grupo, com sede em leiria e integrado na Diocese de Leiria/Fátima, foi-me apresentado pela minha Maria Rita e outros amigos muito próximos que já tinham estado em missão em 2016, numa região de angola, da qual voltaram todos apaixonados. era inevitável..em todos os jantares, saídas, viagens ou simples encontros o gungo era tema de conversa, os parabéns cantados de uma forma especial e o brilho no olhar de todos, impossível de ignorar.

quando decidi que queria mesmo fazer uma missão de voluntariado internacional, tudo me encaminhou para lá.

17 de outubro de 2021, depois de mais de um ano perdida em sonhos e projecções que não passaram disso graças ao covid, foi o dia em que fui a leiria para a apresentação formal da missão aos missionários interessados em ir para o gungo durante o ano de 2022. 

fui, mas não fui sozinha. levei comigo os meus filhos. era muito importante para mim que ouvissem e vissem o mesmo que eu, que também se entusiasmassem, que tirassem as dúvidas, que conhecessem as pessoas que iam comigo fazer esta caminhada...e assim foi! foi bonito vê-los a questionar, a interagirem, a mostrar interesse...deixou-me mais tranquila e segura.

depois dessa reunião, a minha ansiedade cresceu...os dias custavam a passar, eu imaginava tudo o que ia encontrar, desenhava na minha cabeça as minhas reacções, as minha dúvidas. nunca senti medo. sentia vontade de ir para aquela aventura de coração aberto, disposta a dar tudo de mim, a deixar lá tudo de mim. e assim foi. de tal forma que já não consigo separar a missão de mim, como uma experiência que vivi. neste momento é tão visceral que sinto que vivo constantemente em missão. 

em maio e junho vivi a experiência no terreno, depois em agosto de novo (e um dia contarei sobre isto...)

agora, passado um ano da minha primeira reunião para conhecer o grupo vou voltar para dar o meu testemunho. quem sabe se naquela plateia não está uma "cristina" ansiosa por escutar as histórias e ir também no próximo ano em missão...


12.novembro.2022

beijos deste ser missionário em desenvolvimento.



favores em cadeia

há pessoas que confundem duas coisas: favores em cadeia e troca de favores. eu não sou iluminada, nem mais esperta que ninguém. mas também não me parece boa ideia subestimar a minha inteligência. 

para quem não viu ainda vai a tempo. favores em cadeia é um filme de 2000, que convida os personagens a olhar para o mundo à sua volta, perceber o que está mal e tentar mudá-lo. aqui está uma missão (aparentemente) impossível. eu se mandasse no mundo, coisa que deviam deixar-me tentar porque na minha casa não funciona mal de todo (e além do mais, o mundo já está uma bela merda e está..por isso pior não ficava), mas dizia eu...se eu mandasse no mundo, todos as pessoas tinham que anualmente ver este filme. assim como espécie de vacina para o tétano, estão a ver? mas com periodicidade anual! a pessoa senta-se no sofá e havia sempre um dia por ano que as tvs, telemóveis e afins só passavam o filme. portanto, era obrigatório. um banho de bondade assim sem pedir, ensinamentos para a vida, consciencialização...

não me parece nada de extraordinário. as pessoas aprenderem a fazer o bem só porque sim! se eu fizer o bem para alguém, esse alguém faz o bem a outro, esse outro a outro...e por aí adiante..e de repente, as nossas acções ganham uma dimensão incalculável. incomensurável...de repente, o mundo passaria a ser um sítio bom para se viver, porque a cadeia de favores não se quebraria e todos ganhávamos por ajudar o próximo. 

parece fácil, certo?

pois que a vida tem-me mostrado que afinal não é assim tão simples. parece que há gente que confunde favores em cadeia com troca de favores. ora cá para mim, quando ajudamos alguém fazêmo-lo porque realmente estamos dispostos a resolver um problema a uma pessoa que naquele momento e circunstância está vulnerável, frágil e incapaz de o fazer. não é suposto ajudarmos ninguém para receber em troca...não é suposto. não é correcto, não faz sentido! 

mas há por aí muita gente que não se esqueceu só de beber o chá. 

fazem um favorzinho aqui, porque a seguir vão precisar que lhe salvem a pelezinha ali. falam com "amiguinhos" para ajudar outros a resolver coisas que até estão resolvidas, para depois ficarem com uma espécie de créditos que lhes vai ficar de reserva para puderem exigir depois mais umas coisinhas para ajudar com as suas vidinhas arrumadinhas e previsíveizinhas. 

uma imagem t-e-r-r-í-v-e-l. eu sei. mas vejam lá se não é isto: um balde cheio de cocó. onde estão estes amigos de favorzinhos que se safam dentro do sistemazinho que criaram e alimentam ...uns estão a cagar, outros metem lá as mãos e comem. e vão trocando os que cagam e os que comem.

eu sei que é duro. sejam fortes para aguentar esta imagem...também me custa a mim, mas está a ser cada vez mais fácil, tal é a normalidade com que vou assistindo a este cenário.


10.novembro.2022

beijos da pessoa que está amarga porque não gosta nada de chicos-espertos e todos os dias tem que aturar algum. 



carta aberta às mães desesperadas.

(aviso à navegação: o meu primeiro post devia ser sobre mim. ou talvez sobre aquilo que me fez criar o blog e que me estava muito a apetecer deitar cá para fora. mas acontece que sou esta pessoa. sempre a trocar as voltas ao que parece "ter que ser". é aceitar! 

vocês também são ou foram estas mães? que se consumiam porque os miúdos não queriam sair da vossa cama...as mesmas criatura que não vos largavam na casa de banho, que tinham que ouvir dois berros para saltaram para o banho ou que fingiam esquecer-se de lavar os dentes?...

são? então calma! tenho boas notícias! não entrem em pânico, não discutam, não desesperem, não se consumam mais!! um dia, quando menos esperarem, eles vão querer tomar 2 banhos por dia, vão lavar os dentes a toda a hora, ainda enchem a boca de elixir de mentol e a seguir enfiam um halls pela boca abaixo ou então uma pastilha. aquilo que estiver à mão. e mais: vão evitar a todo o custo o vosso colo, nunca mais vão querer dormir convosco e se o fizerem... vão virar-se para o lado para não sentirem a vossa respiração. ahhh, pois! pasmem-se! eu também estou chocada!

mas é o que é! tenho lido livros e falado com amigas psicólogas que dizem estar tudo no lugar certo. antes e agora.. e portanto, resta-me acreditar! agora...que me custa sentir que estou a ser a minha mãe há 30 anos atrás...lá isso custa! 

pronto..até aqui parece que está tudo normal...onde é que eu depois percebo que não? é quando penso no que estamos a viver..e concluo que adoro ser mãe de adolescentes! é que é tudo tão igual ao que vivi, sabem? e vê-los a achar-se a ultima bolacha do pacote (a contar de baixo) é só cómico!

ah e tal, mãe. tu não percebes...tu não sabes! tu não conheces...

hum...hum...certo criaturas adolescentes! eu sei mais a dormir, do que vocês acordados! (tal como a mãe Lena dizia...)..mas deixem-se andar nessa confiança..que eu estou cá para me rir...

10.novembro.2022

beijos da mãe cris que adora ser mãe de pessoas.

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